domingo, 25 de abril de 2010

Guaraná com formicida

A voz chamando no portão tinha algo de urgente e temeroso ao mesmo tempo. Ela o recebeu ali mesmo, em frente ao jardim, tendo rosas e cravos e dálias, como testemunhas. Não por desprezo, mas por medo que o sentimento que quase a sufocava a fizesse mudar de idéia. O homem sorridente, músico que amanhecia em bares entregue ao violão, estranhamente a esperava aflito. Tinha um ar decidido que quase lhe ocultava o medo. Não disse muito, apenas pediu para voltarem. Trazia na garganta um sem número de razões para isto, trazia todos os argumentos e todas as palavras de amor, tudo calado pela boca, mas dito por seu olhar de tragédia. Mas ela foi firme e negou com a cabeça o que mais desejava. Ninguém sabia, nunca ninguém soube, o desejo reprimido, a correnteza represada no seu gesto de negar. Foram poucos minutos, poucos gestos, poucas palavras. Tudo suspenso, tudo esperando pela explosão de desejos que a custo souberam barrar.
Ele partiu de cabeça baixa. Ela tentou manter a cabeça erguida. Em seu quarto, pensou ainda muitas vezes na angústia de esposa esperando o marido que só chega de manhã, embriagado, os filhos esperando pelo pai que se divertia com mulheres várias, a ausência maior que o aconchego de amante. Por mais que ele fosse aquele que mais amara, acreditava estar sendo sábia e, apoiada nisto, controlou as lágrimas que insistiam em se espalhar por seu rosto. Só se entregou ao choro quando vieram lhe trazer a notícia de que ele se matara. Guaraná com formicida.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Rio de Janeiro, gosto de você!

Há pouco tempo, num almoço entre amigos, rolou uma discussão do tipo ‘se você tem dinheiro, qualquer lugar é bom para se morar’. Pensei rapidamente e soltei: Eu, com muito dinheiro, me mudava para o Rio de Janeiro. Meu ex marido, que estava presente, me olhou um tanto pasmo e disse que não sabia que eu gostava tanto assim do Rio.
É agora eu podia entrar numa daquelas prolongadas discussões comigo mesma sobre como as pessoas convivem por um tempo, dividem a mesma casa, comida, banho, etecéteras e tais e ainda não se conhecem. Mas nem vou me arriscar.
O que eu penso é: será que eu não deixo claro o quanto eu gosto do Rio? Caraca mermão, shó porrrque eu fico imitando o shutaque dush cariocash? Porque implico com o hábito hediondo que eles tem de por catchup na pizza (eca!)? Pior, eu completo: também, com as pizzinhas ruins que eles tem... Sem contar que os garçons são antipáticos, muito diferentes do carismáticos garçons da paulicéia.
Mas a verdade é que eu amo esta cidade. Só para começar, tem mar. E montanha. E, apesar de eu estar sempre dizendo que os cariocas são malas, eu só conheço carioca CB (sangue bom. Ui!). De vez em quando fantasio que moro no Rio e aos finais de semana vou subir alguma pedra com amigos montanhista. De manhã, levar minha filha Helena para brincar na praia e, no fim de tarde, quem vai à praia sou eu. Na minha fantasia, morar no Rio é um aumento de qualidade de vida: eu vou praticar mais exercícios, me alimentar melhor, ser mais alegre. Sim, tem todos aqueles problemas que todo mundo sabe. Mas, e daí? Eu moro em Itapecerica da Serra, com um pé de açaí na porta, esquilo no quintal e um dos maiores índices de violência do país. Toda cidade há de ter seus prós e contras. E eu faria minhas malas rapidinho só para passar um final de semana no Rio, mesmo agora, em que a cidade ainda está de luto. E eu me sinto de luto também, entristecida como ficamos quando sofrem as pessoas queridas.
Bem, mas por que mesmo eu estou falando isto? Não é por causa da conversa entre amigos nem pela tragédia da cidade (que merece mais reflexão e profundidade do que estou sendo capaz no momento). É só porque eu recebi um e-mail da Monica Ramalho ( http://www.monicaramalho.com.br/) falando do Copafest.
Imagine! Um festival com aqueles músicos que só podem ser descritos com adjetivo clichês (monstro sagrado, gênio musical, fera!): Hermeto Pachoal, César Camargo Mariano, Marcos Valle, Chico Pinheiro... E no Copacabana Palace (que eu só conheço de fachada e pelo livro lançado pela DBA Editora). Melhor ir direto no site do festival para entender um pouco e concorrer a ingressos http://www.copafest.com.br/. De quebra, ouvir boa música online.
E lembrar que num momento em que paira tristeza e indignação, a cidade ainda tem fôlego para a arte, a boa música e gente. Resumindo: dá para não amar esta cidade?

( Eu também amo São Paulo, com força e fé. Mas esta é outra história)