quinta-feira, 9 de junho de 2011

O que tem para comer?

No blog do Pedro Martinelli ( http://www.pedromartinelli.com.br/blog ), li um texto em que ele falava de uma jovem repórter que, em uma viagem, queria comer alguma coisa mais leve, com uma saladinha, um iogurte talvez . Ele foi falando e soltando uma ironia levezinha por trás da estória. Cheguei a ver, por trás de sua barba, o sorrisinho subindo para o lado esquerdo do rosto. E eu não pude deixar de rir da ingenuidade da moça que, como ele disse, era “novata no trecho”. Jornalista viajando lá pode escolher comida? Pode não.

Fiquei pensando se esta moça estivesse em algumas situações que vivi. Não que eu sempre coma mal quando viajo a trabalho ( tem um hotelzinho em Belém do Pará, de nome começado com Z - Zogbi?Zíngara? - que serve um peixe incrível e que tem de sobremesa um divino creme de cupuaçu, para se comer ajoelhado. Jesus, Maria, José!). Mas, enfim, eu estava falando dos perrengues.

Os piores passei em Minas Gerais. Justo lá, onde está a minha comida preferida! Lembro especialmente de uma viagem pelo Vale do Jequitinhonha, na companhia de uma repórter e de um fotógrafo, fazendo uma matéria sobre cerâmica. Indo de uma cidade a outra acabamos chegando à hora do almoço numa beira de estrada. A cidade mais próxima, onde havia de ter algo de bom, nos afastaria demais do rumo. O jeito foi parar num barzinho. No balcão, agasalhado por uma estufa de vidro, um cozido de mandioca. Eu não vi, mas quem viu me disse: estava “verde”. Mas não é que eu carregava nas minhas tralhas um teco de queijo, comprado em algum sítio do caminho, que eu vinha comendo aos pouquinhos? Almoço para três num dia cheio de trabalho: meio queijo minas e guaraná Antártica. No dia seguinte, já chegando nos finalmentes do Jequitinhonha, caminho para Santana do Araçuaí, foi pior.

Na única portinha aberta, num sem fim de estrada, esbarramos. Era um lugarzinho dos menores, pouco iluminado e com cara de mal limpo. No balcão, algumas coxinhas. Do lado de lá do balcão, um senhor olhou meio torto e soltou, numa voz desanimadora: “São de ontem. Não devem estar boas...”
Uai, se o dono diz, como discordar? Tem alguma outra coisa pra comer? Tinha: paçoquinha. Almoço para três nm dia cheio de trabalho: paçoquinha e coca-cola.

Também em Minas, no Parque Nacional “Grande Sertão: Veredas”, difícil foi escapar da paçoca de carne seca da dona Nica. Passávamos pela casinha de adobe e dona Nica gentil nos convidava. Eu me esquivava daqui, me esquivava dali. Até que, numa noite, já ficando chata a recusa de tão insistente, não houve como escapar. E ela trouxe uma tigelinha recheada e uma garrafa de café.
Não que haja algo de errado com paçoca de carne seca: é um prato tradicional e saboroso. Mas, não bastasse eu não ser lá muito chegada em carne seca, já estava há dias vendo as mantas de carne penduradas nas portas das casas, de frente para as ruas. Passa boi, passa boiada, cavalo, gente e cachorro... a carne ali, como roupa no quarador, secando ao sol roseano, banhando-se de poeira vermelha do sertão. Não dava para encarar. Protegida do escuro da casinha, iluminada por uma fraca lamparina, eu apenas fingia que comia. Batia a colher na tigela para fazer barulho, levava-a próxima à boca e devolvia ao seu lugar. Mas o fotógrafo que estava comigo, João Correia Filho, era do tipo avestruz. Além de bom de garfo, gostava do prato. Como a tigelinha era para nós dois, eu contava que ele comeria a parte dele e a minha também. E continuei com meu teatrinho.
Nem o café eu tomei todo, que era ruim demais da conta. Só mais tarde, já afastados dos ouvidos de dona Nica, que apesar de mal cozinheira era um amor de pessoa, confessei o meu embuste. E por pouco não apanhei: o “bom de garfo”, por mais bom de garfo que fosse, também se lembrou das carnes penduradas. E foi com esforço que comeu, tentando entender porque é que não acabava nunca a bendita paçoca!

Mas eu levei tudo isto numa boa. Perrengue mesmo passei no Pará. Em Afuá, no Marajó, simplesmente não se achava café. Sim, café, este líquido precioso e indispensável para sobrevivência humana. Não que os afuaenses não tomassem café. Eles só não vendiam. Na padaria: acabou. Mas são nove horas da manhã! Mas acabou. Outra padaria: ah, aqui só temos pão. Era final de tarde e a vida já estava se tornando insuportável quando, enfim, numa lanchonete caseira, a dona me disse:
- Ter, não tem. Mas, se você quiser, posso fazer.
Ufa! Sorri agradecida, lembrando como é bom quando estamos fora de casa e conseguimos não passar por privações.

Por estas e outras, fico pensando na repórter, parceira de viagem do Pedro Martinelli. Iogurte? Saladinha? Minha filha, dieta se faz em casa. Na rua, se encontrar comida, agradeça e peça a Nossa Senhora do Desterro que te proteja da salmonela e companhia. E bom apetite!