segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Bagagem

Uma roupa de frio. Uma calcinha rendada. Rímel, lápis, batom, esmalte. Escova de dentes, pente, remédios. Camisinhas.
Levo um fígado limpo, desabituado de álcool. Um tanto de insônia, se faz necessário. Para o pulmão, uma dose extra de tolerância ao tabaco.
Não posso deixar de levar uma muda de voz, ainda que desafinada, para em dueto cantar ‘Vida Noturna’, ou outras pérolas de Aldir.
E um par de ouvidos bem atentos, para a hora da leitura. Mãos, levo várias: há corpo demais para passear as pontas dos dedos. Sorrisos às pencas, que usarei todos. E olhos de olhar nos verdes incompletos de outros olhos.
Poesia eu nunca sei: levo da minha ou uso a que tanto sobra por lá? (Mas é tão leve, oras, não custa levar).
Já ciúme eu não levo, que é peso demais, eu não vou aguentar. Também deixo de fora algumas más histórias, mal humores, má vontade (esta eu nem tenho para levar). Ignorância, porém, não posso deixar: sou muito apegada a ela.
Aperto tudo isto no fundo da mala para sobrar mais espaço: há muita vontade de conhecer, que eu preciso levar. E um enorme desejo de estar junto que, de tão grande, preciso dobrar.
Embalo também um tantinho de espanto, um bocadinho de medo, um tiquinho de dúvida. Mas deixo bem embrulhados para que não se derramem e manchem as outras coisas.
No espaço que sobra – e bem sobra porque a mala é grande- coloco desejo. Mas, ora, veja só: não é que no começo da semana, era de menor tamanho? Como cresce tanto, em tão poucos dias? Faço um esforço para que caiba todo. Senão, alguma coisa vou ter que tirar! Desejo só vai inteiro, não se pode cortar. Aperto, empurro, desarrumo, arranjo, desfaço, refaço. Ufa! Coube.
Na hora de sair, ainda me lembro do pouco de encanto, que eu queria ofertar. Não cabe na mala. E solto, posso perder...
Me olho no espelho e vejo: tenho sapatos adequados, de saltos bem altos para alcançar o beijo. E roupas práticas, fáceis de tirar. Também um colar, para me proteger. E um anel, que tenciono esquecer.
Então, por cima de tudo, visto o encanto.
E vou.