quarta-feira, 13 de março de 2013

Hoje é Carnaval


Dizem que a idade dos cães se calcula assim: cada ano que eles vivem, equivalem a oito anos da vida de um humano. Cláudia começou a achar que sua vida sexual era uma vida de cão. Um ano sem sexo era para ela quase uma década de sofrimento!  Ela já estava chegando a um ano e meio.
A verdade é que o seu último casamento (o terceiro!) foi realmente um terremoto: ainda estava revirando os escombros em busca dos restos mortais de sua autoestima. Sabia que precisaria de muito tempo e paciência para se sentir novamente disposta a um novo envolvimento. Sentia-se como uma loja de departamentos depois da liquidação de natal. Abaixou as portas e pendurou a faixa: “fechada para balanço”. Fechada para envolvimentos, acabou também se fechando para sexo.
Não que faltassem opções. Tinha aquele amigo que morava no interior, que sempre dizia que era só chamar. E o outro, que cismou que ela estava a fim dele. Sem falar no coroa bonitão que sentia por ela uma forte “atração espiritual” (sei...). E mais alguns, que nunca disseram nada, mas que era só uma questão de dar espaço.
Mas o que fazer se ela não sentia atração por nenhum deles? Não bastasse seu olhar exigente de fotógrafa, tinha uma personalidade que os amigos classificavam como excêntrica, cheia de gostos e desgostos. Melhor não fazer do que fazer sem vontade. Mas quando se queixou pela milionésima vez com sua melhor amiga, ouviu uma bronca. A amiga era alguns anos mais velha e sempre foi uma referência de bom senso quando o assunto era sexo. E o pior - sempre há um pior - era psicóloga. E disse: 
- Você está louca?
- ...
- Isso vai te deixar doente.
- ...
- Isso é doença!
Voltou pra casa abalada, disposta a resolver. Porque não há nada de mal em uma pessoa optar pelo celibato. Mas há tudo de mal quando essa pessoa se sente péssima, a ponto de chorar! Decidiu que seria no sábado, quando se encontraria à tarde com alguns amigos num bloco de carnaval. Acordou decidida, repetindo o mantra “àgua morro abaixo, fogo morro acima e mulher quando quer dar, ninguém segura”. Preparou-se para a saída como se tivesse um encontro marcado com alguém, com direito a depilação, creme hidratante no corpo todo e outros detalhezinhos que toda mulher conhece.
E a multidão ao redor do trio elétrico era farta em moços bonitos. Chegou a pensar que era alguma alteração sensorial provocada por seu período fértil, mas suas amigas confirmaram. Choveu, fez sol, choveu de novo, anoiteceu. O trio elétrico saiu, os amigos começavam a pensar em ir a outro lugar e ela ainda sozinha, repetindo para si mesma “água morro abaixo...”.
Fazia quarenta e cinco dias que chovia sem parar em São Paulo, mais água do que enfrentou Noé. Mas os paulistanos cantavam alegres “tomara que chova / dez dias sem parar”. Foi logo depois que ouviu uma voz de homem falar alguma coisa a respeito de Guimarães Rosa. E alguém que cita Guimarães Rosa no meio de um bloco de carnaval, merece uma olhada. Sem parar de andar, virou lentamente a cabeça para ver quem estava atrás dela. Três rapazes.
A voz roseana era do que estava na ponta esquerda. E era gato! “Ei, você aí / me dá um dinheiro aí...”. Poucos minutos depois, olhou de novo para confirmar. Era gato mesmo. “Eu mato / eu mato / quem pegou minha cueca / pra fazer pano de prato”. Quando olhou pela terceira vez (gato, gato, gato!), já achou que estava abusando.
O trio elétrico já estava chegando de volta ao ponto de partida e os foliões já se dispersavam. Então ouviu uma voz lhe dizendo alguma coisa qualquer sobre a música. Aquela voz que para ela já era quase a voz de um anjo. Era ele. E era simpático. E era gente boa. E era bem humorado. E era, graças a Deus, objetivo. Depois de uma conversa ligeira - em que ficou declarado para os devidos fins que estavam ambos solteiros- se aproximou e a beijou.
Chamava-se Mateus e era de um cidadinha no interior paulista, o que lhe deixou um delicioso sotaque e a paixão por um time de futebol com nome bizarro. Estava em São Paulo desde que terminou a faculdade há dois anos e tinha recém completado 27 anos. Ou seja: nove a menos que ela. Ainda era cedo para encerrar uma noitada paulistana, mas já estavam ali há tempo suficiente de pegar chuva, sol, chuva, sol, chuva, lua. E ele sugeriu que fossem para casa dele.
E agora, Josefa? É claro que ela queria ir. Acordou nesse dia só para terminá-lo na cama de alguém. E achou alguém bonito, simpático, inteligente, que até citava Guimarães Rosa! E já fazia muito tempo que aprendeu a por de lado essa bobagem de que mulher não pode dar na primeira vez. Para ser exata, desde o dia em que contou para a amiga-mais-velha-sensata-psicóloga que tinha beijado alguém da faculdade e a amiga disse que ela já não era mais uma menininha para ficar de beijinho com um homem. Dizer não por quê? Mas ela não conhecia o rapaz, nem tinha certeza se seu nome era verdadeiro. E se fosse um psicopata-serial-quíler-canibal-torturador-de-mulheres-mais-velhas? Bobagem. Sua intuição era uma bússola poderosa, teria indicado se houvesse tanto perigo. Mas o fato é que essa hesitação durou alguns segundos. Tempo suficiente para que ele sacasse que estava rolando um conflito típico feminino e resolvesse a situação brilhantemente. Conversou mais um pouco, foi comprar uma garrafa de água e disse, com muita calma, que não era porque iam para a casa dele que precisavam transar. Se ela não quisesse, não transariam. E para arrematar usou uma frase que abriu mais portas do que o velhíssimo “abra-te sésamo”: “acho que nós temos idade para resolver isso”. Se um menino de 27 aninhos se achava adulto para decidir por si mesmo com quem, quando e como faz sexo, que dirá ela. No fundo, foi só o velho truque de dar liberdade para poder prender. Mas os argumentos eram muito válidos e em meia hora estavam em um apartamento na Vila Mariana. 
Se fôssemos olhar pelo lado mau, o quarto dele era uma espécie de abatedouro. Luminária japonesa no teto, velas decorativas sobre a cômoda, uma deliciosa seleção de música brasileira tocando durante horas, uma enorme cama de casal e, pasmem!, até um gel lubrificante ao alcance da mão. Olhando pelo lado bom, era um quarto romântico e sensual. Luminária japonesa no teto, velas decorativas sobre a cômoda, uma deliciosa seleção de música brasileira tocando durante horas e uma enorme cama de casal (deixemos o gel lubrificante pra lá).
Em pé próximo à cama, ele tirou a camisa. Debaixo dela estava escondido um peito lindo, largo, forte, com pelos claros e macios. E deixou a calça escorregar devagar. Embaixo dela, uma bunda linda. Na verdade, Cláudia nunca ligou muito para essa parte da anatomia masculina, achava a parte superior do corpo mais atrativa. Mas esse menino realmente tinha uma bunda espetacular. Lembrou na hora de uma amiga sua, obcecada por bundas (ficou só imaginando ligar pra ela no dia seguinte e contar: “Cris! Fiquei com um cara ontem e pensei tanto em você!”). Então ele a empurrou levemente para cama.  Só quando ela já estava deitada ele terminou de tirar seu vestido lentamente. E não disse nem a nem bê, mas sua respiração se aprofundou um pouco, como um leve suspiro, quando viu seu corpo nu. Como explicar essa sensação? Que palavras escolher para tornar compreensível o prazer que ela sentiu com esse suspiro de admiração que ele soltou ao ver sua cintura fina e seus quadris bem desenhados sobre sua larga cama? Qual frase dá a noção exata do tesão que ela teve com o tesão que ele demonstrou? Há tanto tempo sozinha, tanto tempo se sentindo desperdiçada, mal amada e, de repente, um menino lindo, dez anos mais jovem, suspira com a visão de seu corpo.
Era a hora de conferir o que é que essa molecada criada na frente do computador andou aprendendo no “dáblio-dáblio-dáblio-porn-tube-ponto-com”. O beijo, quesito que em sexo equivale à comissão de frente de uma escola de samba, já tinha merecido 10. E o modo como vinha conduzindo a situação era impecável (evolução: 10). Se esse rapaz pudesse ser descrito sexualmente em uma só palavra, seria “técnico”. Ele sabia exatamente onde, como e quando tocar. Mas o que o tornou inesquecível foi seu jeito de fazer sexo oral, um jeito que só pode ter aprendido num filme pornô de lésbicas. Porque um homem não pensaria naquilo sozinho. Em 20 anos de vida sexual ativa, era a primeira vez que alguém fazia aquilo
Não há necessidade de muitos detalhes, para começar basta dizer que ele usou a boca e mão direita ao mesmo tempo. Até aí, nada além do básico, apesar de alguns homens não perceberem que isso é básico. Mas quando ela já estava bastante estimulada (leia-se “en-lou-que-ci-da”), ele começou, com a outra mão, a dar leves tapinhas na base do clitóris, sempre coordenando as duas mãos e a língua no mesmo ritmo e com a pressão exata. Era tudo ao mesmo tempo agora num só lugar (harmonia: 10!).  Depois disso, o que vier vem bem: bateria, alegoria, samba enredo, primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira: nessa noite choveram mais notas 10 do que água.
Quando o dia clareou e ela pode ver suas costas muito claras, cheias de pintas marrons como um sorvete de flocos, eles ainda estavam abraçados rindo juntos.  Um riso que perdurou por vários dias no rosto de Cláudia, como se fosse um carnaval baiano, daqueles que começam no reveiôm e acabam no São João. 
A verdade é que se ela soubesse que seu desjejum seria tão bom, teria esperado com serenidade budista, sem nenhuma queixa, sem nenhuma lágrima. Porque a espera valeu à pena.


N.A. antes que alguém diga que, por conta da idade, ela deveria ir para a ala das baianas, Claudinha avisa: fez bonito como Rainha da Bateria!